Pesquisar este blog

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Casal Torres e o teatro no Brasil

Leia no site da Funarte

Fernando Torres e o desafio do empreendedorismo no teatro brasileiro


Mídias deste texto

Imagens (6 imagens)

Fazer teatro no Brasil foi, por muito tempo, uma atividade de apaixonados, com pouco ou mesmo nenhum retorno financeiro para artistas, produtores e diretores.  Autodidatas, os membros das equipes teatrais eram obrigados a ter uma outra fonte de renda, como Fernanda Montenegro, que lecionava português para estrangeiros no Berlitz. Profissionalizar a atividade ia além de capacitar-se. Exigia uma visão empresarial, de transformar a cultura efetivamente em um gerador de renda, para que pudessem se dedicar integralmente aos palcos.
O médico Fernando Torres, apaixonado pelos encantos dessa arte, soube empreender. Começou como ator, aos 22 anos, no teatro universitário, com a peça A dama da madrugada”, de Alejandro Casona e direção de Esther Leão. Ingressou na companhia de Eva Todor e, já casado com Fernanda Montenegro, mudou-se do Rio de Janeiro para São Paulo.
Contratado pelo Teatro Maria Della Costa, fez assistência de direção de Gianni Ratto e, mais tarde, passou a atuar e fazer a assistência de direção no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Em 1958, estreou como diretor em Quartos separados e se destacou pela precisão do ritmo e da marcação das cenas.
Assim, tendo passado pelas funções de ator, assistente de direção e diretor, começou um intenso trabalho de produção, fundando a própria companhia, o Teatro dos Sete, em 1959, com sua esposa Fernanda Montenegro e os companheiros Sergio Britto, Ítalo Rossi e Gianni Ratto. Na galeria de imagens pode-se ver a certidão de registro na junta comercial, solicitada em 1961, da empresa Fernando Torres Diversões.
Em seguida, como bom empreendedor, Fernando Torres empenhou-se em conseguir os recursos necessários. No acervo pessoal do casal doado à Funarte, podemos encontrar, entre fotos, cartas, documentos e vários pedidos de crédito, um rascunho digitado a máquina, com correções riscadas à mão, destinado ao Banco Nacional de Minas Gerais, para a montagem de quatro espetáculos, um deles, O interrogatório, de Peter Weiss, que recebeu o prêmio Moliére Especial pela produção. A busca de crédito ou patrocínio trouxe resultados cada vez mais positivos na medida em que as peças da Fernando Torres Diversões obtinham sucesso de público e crítica, tornando-se assim uma constante forma de viabilizar a produção, como mostra outro documento, com data de vinte anos mais tarde, com o pedido à Petrobrás de patrocínio à peça Fedra.
Fernando Torres tornou-se um diretor reconhecido. Premiado como Diretor Revelação por O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues, dirigiu também outras peças de sucesso, como A mulher de todos nós, de Henri Becque, O homem do princípio ao fim, de Millôr Fernandes,  A volta ao lar, de Harold Pinter, Marta Saré, de Gianfrancesco Guarnieri, e O inimigo do povo, de Henrik Ibsen. Além disso, assinou a produção de O interrogatório e de A longa noite de cristal, ambos com direção de Celso Nunes, e de Computa, computador, computa, de Millôr Fernandes. Apesar de tanto sucesso, na sequência levou um prejuízo astronômico ao ter a peça Calabar, de Chico Buarque e Ruy Guerra, proibida pela censura.
Com uma visão empresarial de quem precisava rapidamente recuperar o investimento e ganhar fôlego, o casal montou uma peça leve, acima de qualquer suspeita, que falava de costumes da burguesia francesa, de riso fácil e público certo. Nesse contexto, levaram aos palcos O amante da madame Vidal, de Louis Vernevil, já encenado no início dos anos 1950 por Dulcina de Moraes. O texto, traduzido por Millôr Fernandes, foi representado com cenários de Marcos Flaksman e figurino de Kalma Murtinho, além dos atores Afonso Stuart, Rosita Tomaz Lopes, Rogério Fróes, Renato Pedrosa, Otávio Augusto, Suzy Arruda e Labanca.
Na pré-estreia, Fernanda escreveu uma carta, a todos os jornais, dizendo que o desejo de atuar nessa peça vinha da adolescência, quando assistiu à Dulcina pela primeira vez. Recortes de jornais do centro de documentação da Funarte sobre a peça mostram que Fernando e Fernanda contrataram cem meninos da Casa do Pequeno Jornaleiro e distribuíram cartas assinadas pelo casal nas residências, comércio, carros e esquinas, chamando o público para o teatro. Quem trouxesse o panfleto receberia 20% de desconto. A ideia deu certo.  A soma da direção ritmada de Fernando, que acrescentou comentários irônicos em cena aberta, com o talento de Fernanda Montenegro, resultou na transformação do boulevard francês em uma crítica social ao estilo de vida da burguesia. Sucesso de público!
Ao falar do período em que participou de O amante da madame Vidal, o ator Otávio Augusto diz: “Tive oportunidade de trabalhar com Fernando como diretor. Com sua sensibilidade e confiança, eu, junto com Fernanda, consegui momentos brilhantes. O produtor Fernando é uma pessoa que respeita o ator”.
Depois de voltar a atuar, de 1973 a 1976, em Seria cômico… Se não fosse sério, de Dürrenmatt, Fernando novamente acumula as funções de diretor, produtor e ator em A mais sólida mansão, de Eugene O’Neill, de 1973. Atua e produz em É…, de Millôr Fernandes; em Assunto de família, de Domingos Oliveira, e em Fedra, de Jean Racine.
Após a temporada atuando em Rei Lear, de William Shakespeare, Fernando entra em uma sequência de produções de espetáculos de Fernanda Montenegro: Dona Doida, um interlúdio, de Adélia Prado;  Suburbano coração, texto e direção de Naum Alves de Souza; e Gilda, de Noel Coward. Participou de 19 filmes, além de seriados e novelas. Foi homenageado com seu nome em duas casas de espetáculos: um teatro em Tatuapé, em São Paulo, e uma arena de apresentações culturais no Rio de Janeiro, no bairro de Madureira, na capital.
O entusiasmo pelo teatro, o interesse nos novos talentos, o empenho em incentivar os jovens e garantir as melhores condições para o trabalho fizeram com que Fernando Torres acumulasse funções, se tornasse um motor que fazia as coisas acontecerem mesmo quando o contexto não era o ideal, entrando para a história como um artista que viabilizou uma intensa produção no teatro brasileiro.
Nascido em 14 de novembro de 1927, em Guaçuí, no Espírito Santo, Fernando morreu aos 80 anos, em 4 de setembro de 2008, em sua casa, no Rio de Janeiro.
Por Aline Veroneze
Revisão de Maria Cristina Martins e Pedro Paulo Malta

Intercom2017 - Curitiba - O artigo