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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Intercom2017 - Curitiba - O artigo

Estar no Intercom 2017 foi muito produtivo. É um momento de estar com nossas referências bibliográficas, nossos colegas professores e alunos. (Isso se você usa a bibliografia Latinoamericana atual também e não só a eurocêntrica do século passado! Olha que eu uso Foucault e Latour, mas estou me desafiando a procurar bibliografia... Mas isso é uma outra longa discussão) 

Encontrei no Grupo de Trabalho Comunicação para a Cidadania algumas discussões que dialogam muito com a minha pesquisa, como o trabalho da Luiza Barata, que tratou do uso do aplicativo "NósporNós para denúncias em comunidades cariocas. Vale conhecer e o artigo está nos anais do Intercom em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2789-1.pdf

Apresentei o artigo "Nos rastros das interações: Uma análise do impacto do aplicativo Whatsapp no fluxo comunicacional da tropa da PMERJ"
http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-1880-1.pdf

Este artigo é parte da dissertação de mestrado, que pretende abranger também outros lugares de fala como a posição da Coporação e o uso do aplicativo para a Polícia de Proximidade. Aos interessados, segue:
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Resumo

 

Inovações tecnológicas têm alterado o fluxo de comunicação nas organizações. No caso de uma corporação militar, as novas possibilidades de interação a partir dos aplicativos de celular podem significar novos modos de organização e a possibilidade do encontro ou produção de brechas para a luta por direitos. O objetivo deste artigo é analisar o caso específico da participação do WhatsApp na comunicação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. A hipótese é que a participação do ator tecnológico nas práticas comunicacionais tem viabilizado a manifestação em uma estrutura altamente hierarquizada. A estratégia é seguir os rastros da comunicação via aplicativo, a fim de abrir caminho para a compreensão das consequentes apropriações de poder advindas das conexões estabelecidas.

Palavras-chave
Comunicação organizacional; Tecnologia; Cidadania; Polícia Militar; Interações.





Introdução

Desde a Idade Média, a principal força combativa de um exército era conhecida como infantaria e os combatentes eram os infantes. O termo infante tem duas raízes distintas. De origem italiana, o vocábulo ‘fante’, significa ‘menino ou soldado que vem a pé’. Já o verbete ‘infante’ oriundo do latim, representa 'aquele que não fala', utilizado para identificar filhos pequenos de nobres europeus.
            Usualmente, os policiais são chamados de infantes, tanto como aqueles que combatem, como aqueles que não falam. A fala é a expressão motora de pensamentos do sujeito, ligada a outros aspectos de sua cognição, como as emoções e a capacidade crítica. Na Polícia Militar, historicamente, a limitação não se restringia ao ato motor da vocalização, mas a qualquer manifestação individual pública que se referisse à atividade profissional.
            Sem fala, as interações são mínimas e a produção de significados também. Se o policial é um corpo que cala, que não expressa emoções, tal qual os cadáveres que encontrará pela trajetória profissional; se não elabora, não interage, deixa de produzir sentidos, tornando-se mais apto ao combate.
            A dificuldade de comunicação entre as instâncias de poder e a impossibilidade das patentes mais baixas de requererem seus direitos sem ficarem reféns de sanções resultaram no silêncio próprio das relações de dominação (FOUCAULT, 1983). A cultura interna da PMERJ tornou a atitude de mostrar-se insensível às adversidades, ao sofrimento próprio e alheio, algo natural e louvável. A resiliência silenciosa não tem sido contestada porque entre os policiais, essa é uma discussão encerrada em uma máquina já funcional. Ser resiliente à violência física ou moral significa, dentro da cultura interna de uma estrutura militar, ser forte e estar apto aos desafios da profissão. A emoção coletiva é sobreposta à individual, em treinamentos em que o indivíduo aprende a suportar os ataques e a manifestar-se apenas dentro dos limites impostos pelas regras da Corporação.
            O aplicativo WhatsApp tornou-se um ambiente tecnológico no qual o Policial Militar fluminense tem resgatado a possibilidade de compartilhar emoções.  Entretanto, as causas das mudanças no fluxo comunicacional da PMERJ vão além do simples advento de determinada tecnologia. Policiais menos docilizados e cognitivamente aptos ao uso de tecnologia, somados à entrada de um novo ator não humano, o aplicativo, compõem o elenco próprio para encenar socialmente outras relações que não as estabelecidas nos últimos dois séculos.
O indivíduo contemporâneo não tem mais uma identidade única, em que a profissão o define por completo. Ele não é o policial, o vilão ou o herói, como outrora. Este sujeito é, ao mesmo tempo, morador da comunidade, pai, consumidor, telespectador, cidadão. As múltiplas identidades, como aborda Stuart Hall (2005), propiciam que ele dê novas respostas a antigas questões.
             Na trajetória da história da Polícia Militar, mobilizar-se em prol de causa própria sempre fora uma iniciativa arriscada, cujo resultado mais provável seria uma punição. Cabe lembrar que foram nas escolas, hospitais e quartéis que o sistema disciplinar se estruturou (FOUCAULT, 1983). As relações de poder dentro da Corporação sempre foram impregnadas por estados de dominação, mas o cenário vem se transformando. Viver em um mundo globalizado, em contato com diferentes construções de verdade, com maior possibilidade de comunicação com atores diversos, dificulta a docilização, o disciplinar.

Mapeando a rede de grupos de WhatsApp na PMERJ
           
Durante um ano, a autora da pesquisa realizou a observação participante, inserida no ambiente natural das interações. Atuava como assessora de comunicação da PMERJ e era membro de alguns dos grupos da corporação, tanto como profissional, como colega de trabalho, já que os grupos são formados com finalidades distintas. Para realizar a pesquisa sem identificar os participantes dos grupos ou expor o conteúdo das conversações, foi enviado a cinco grupos de WhatsApp um questionário de entrevista aberta, sobre os usos que cada policial faz desta tecnologia em sua rotina. Mesmo com o consentimento dos participantes, a exposição do conteúdo por si só identificaria os atores, violando o anonimato proporcionado pelo aplicativo. É esse anonimato que garante a possibilidade de fala, sem punições, dentro do aparelho de vigilância do Estado, de uma instituição que segue um rigoroso código de conduta militar. Aliás, uma determinação publicada no Boletim da PMERJ de nove de outubro de 2015, tornou o uso de smartfones por policiais em horário de serviço, no policiamento ostensivo, proibido. A resposta ao questionário enviado era voluntária e seria garantido o anonimato, conforme possibilita o Código de Ética dos Jornalistas e a Constituição Federal, quando preveem que o jornalista, por sigilo profissional, opte por não revelar suas fontes.
A hipótese desenvolvida é a de que o aumento do capital social e da força dos laços são geradores de novas demandas de postura e responsabilização da Corporação. Para tratar das intenções das interações via aplicativo e de seus resultados efetivos no modo de operação da PMERJ, foi realizada uma busca que identificasse a repercussão das demandas advindas de material compartilhado pelo WhatsApp nas publicações dos veículos de comunicação. (GRANOVETTER, 1973). Procurou-se na imprensa matérias motivadas pela dinâmica da qual o WhatsApp participa com a tropa. Serão apresentados aqui alguns dos resultados das interações encontrados nos jornais EXTRA e Folha Política. As publicações nos indicam o resultado efetivo de determinadas dinâmicas que começaram no aplicativo, o alcance, o poder daquela rede.



A movimentação sintomática de uma nova geração pautada em relações híbridas

Á medida que o uso do aplicativo é intensificado, a dinâmica de formação e dissolução dos grupos vai mudando. Em 2014, os grupos da PMERJ eram basicamente compostos de acordo com os vínculos afetivos ou com aspectos práticos da rotina de trabalho. Selecionamos as mensagens compartilhadas entre julho de 2014 e o mesmo mês de 2015 e classificamos por sua origem e seu objetivo prevalecente. A partir da compilação de centenas de interações, foi possível determinar alguns traços característicos de cada grupo, como explanado a seguir[3]:
Entre os cento e cinquenta policiais que participaram da pesquisa, alguns integravam grupos (i) compostos a partir da turma de formação. Usualmente, os profissionais aprovados em um mesmo concurso público recebiam a formação juntos, mas por serem alocados em unidades distintas, perdiam o contato, ou mantinham alguma interação com frequência muito rara. Os grupos de WhatsApp mantiveram a frequência das interações entre as novas turmas de policiais.
Uma vez alocados em determinada unidade da Corporação, os policiais passam a fazer parte de novos grupos (ii). A motivação inicial dos grupos de unidades específicas é compartilhar aspectos práticos da rotina daquele Batalhão. Este grupo reúne profissionais que não necessariamente possuem vínculos afetivos, mas que precisam dos dados que circulam. Em algumas unidades os grupos foram formados pela tropa para facilitar o dia a dia, em outras incluem do soldado ao comandante, sendo nestes últimos, o comportamento mais formal, menos espontâneo. Não há uma oficialização da comunicação via aplicativo dentro da Corporação, de modo que depende da iniciativa coletiva da tropa ou individual do comandante da unidade.
 Durante as operações, os policiais entram em contato com os jornalistas que estão cobrindo a pauta de Segurança. Teoricamente, apenas os comandantes ou o porta-voz da Corporação podem dar entrevistas, mas, aos poucos, a tropa vai estreitando as relações com os jornalistas e integrando grupos de WhatsApp em que passam informações para os jornalistas como forma de promoção do trabalho realizado (iii).
Há ainda grupos institucionais, que fazem parte das atividades dos Comandos como os grupos de alinhamento das respostas da assessoria de Imprensa (iv) ou os grupos de relação direta com a população, como estratégia de unidades específicas que praticam a Polícia de Proximidade (v).
Todavia, toda esta movimentação ainda ocorre sob temor, sob a pressão emocional de estar rompendo com os valores da Corporação. Ao receber o questionário desta pesquisa, a primeira reação de alguns Policiais Militares fluminenses foi temer a confirmação de que fazem uso do aplicativo. Redigiram respostas que negavam as conversações:

Sei que vai parecer incoerente negar que usamos o WhatsApp ou que participamos dos grupos, o que você acompanha como fato, mas o problema é o seguinte: na realidade, para fazer o uso do celular, o militar deve fazer uma solicitação à administração da unidade em que trabalha. É tudo muito complexo. Então, é um pouco complicado falar sobre isso, pois, de fato, não há uma autorização expressa que autorize. Nós simplesmente usamos no dia a dia, mas não podemos admitir isso, entende? (Policial A., 26 de setembro de 2016, 17:13, via WhatsApp).


            Á medida que os policiais participam na rede de grupos do aplicativo, entram em contato com maior frequência com a emoção dos colegas, suas ansiedades, derrotas e vitórias. O conteúdo compartilhado permite que os membros dos grupos se reconheçam, conquistem confiança para abordar uma diversidade maior de assuntos, encorajando-se mutuamente e reconhecendo a potencialidade de sua fala. Entre diferentes patentes, a intensidade das interações e da exposição também diminui as distâncias que a hierarquia militar impõe naturalmente. Essa evolução nos relacionamentos já foi apontada por Raquel Recuero (2014), ao afirmar que o valor dos laços sociais construídos, o capital social, pode ser acumulado, aprofundando os vínculos e aumentando o sentimento de grupo.
Observou-se esta dinâmica de fortalecimento dos laços nas conversas dos grupos de policiais no WhatsApp, principalmente naqueles em que os vínculos afetivos eram mais fortes:

A minha participação em grupos da PMERJ, se deu através da necessidade de compartilhar informações. Os grupos discutem temas relacionados ao futuro da Polícia Militar e podemos dar opiniões, inclusive, com a participação de oficiais. O contato com colegas de turma aumentou consideravelmente, hoje sou membro de mais de 10 grupos da polícia. Esse mesmo contato contribuiu para que estivesse mais atento aos fenômenos sociais e interagisse mais com outros militares. Através da participação ativa nos grupos, podemos lutar por objetivos comuns a todos, como por exemplo, melhores escalas, aquisição de equipamentos, salários, etc (Policial B., 20 de outubro de 2016, 13:57, via WhatsApp).

Nota-se no depoimento que não só os laços tornaram-se mais fortes, como a rede deste policial também cresceu. A menção de que a interação direcionou sua atenção a determinados fenômenos ou eventos da Corporação e de que encontrou objetivos comuns e parceiros para as lutas, são indicativos do capital social adquirido. Bem antes do movimento de interação através de aplicativos de comunicação como o WhatsApp, Granovetter (1974, 1978) já apontava para o poder da influência dos grupos na tomada de decisões. Suas pesquisas constataram que os indivíduos tomavam decisões mais consistentes em uma relação de proporção direta com a força dos vínculos em suas redes. Quando os policiais falaram sobre suas experiências com o WhatsApp, essa força também fica evidente:

Eu não tinha coragem de ir para o chefe e reclamar da comida, ou que o salário do Extra não entrou. Tenho até colegas que fazem isso, mas ficam mal vistos, como os encrenqueiros. São tidos como problemáticos. Aí eu entrei em um grupo do WhatsApp e os caras estavam falando mesmo ali. Comentavam da jornada de trabalho, de tudo que eu só desabafava com a minha família. Então, como você me perguntou como eu uso o WhatsApp, a resposta é: eu uso para me sentir mais forte. Ali eu vejo que o problema é de todo mundo e que podemos combinar alternativas para resolver. Um dia combinamos que ninguém daquele grupo ia se inscrever para o RAS daquele mês. O salário não sai então não vai ter quem faça. Sozinho eu nunca poderia fazer essa pressão (Policial C., 26 de outubro de 2016, 16:40, via WhatsApp).

Apesar de continuarem sob uma forte relação de dominação na Polícia Militar do Rio de Janeiro, os Policiais Militares têm se posicionado com maior propriedade, uma vez que formam laços mais fortes com os colegas de profissão, fortalecendo assim, também, uma faceta de sua identidade, elevando os níveis de credibilidade e influência.
           
O WHATSAPP como agente mobilizador na micropolítica do poder da PMERJ

            As novas sociabilidades instauradas a partir das relações híbridas, em que estão conectados o WhatsApp, todo o aparato tecnológico que compõe o arranjo midiático que o cerca e policiais de diferentes patentes, têm apresentado potencial para redistribuir poder, dar voz e credibilidade a discursos não oficiais. Entretanto, o reconhecimento e consequente emprego do aplicativo nesta direção não aconteceram assim que a tecnologia passou a fazer parte das primeiras conexões da tropa da PMERJ. A tecnologia de comunicação não é óbvia como a arma que os policiais possuem, desenvolvida com uma finalidade bem específica: ferir e paralisar o inimigo através de confronto direto. Há uma trajetória de amadurecimento da relação, que compreende do momento em que os policiais começam a estabelecer as primeiras interações até a organização efetiva de movimentos em prol de interesses coletivos.
Durante entrevistas com os policiais que participavam dos grupos de WhatsApp, o relato foi de que inicialmente, as conversações mediadas pelo aplicativo, configuravam apenas momentos de lazer. Eram conversas informais entre colegas de profissão, que incluíam áudios de tiroteios, imagens de bandidos famosos detidos nas operações, fotos de material apreendido e de cadáveres.
Conforme conquistam habilidade de uso do conjunto de tecnologias que envolve o celular, internet, câmeras fotográficas e filmadoras, gravadores de áudio, editores de imagens e novas opções de compartilhamento, os policiais fluminenses vão ampliando o emprego do aplicativo. Régis (2011) argumenta que o uso de tecnologias de comunicação e entretenimento possibilita o desenvolvimento cognitivo, fermentando o sujeito com habilidades sociais, lógicas, sensoriais, entre outras.
Um dos policiais entrevistados comentou:

Eu penso que a tropa ainda está aprendendo a usar o WhatsApp como uma ferramenta para reivindicar seus direitos. Percebo que o PM usa muito mais como um "muro das lamentações" do que como um instrumento de poder capaz de conscientizar e mobilizar efetivos. Observo muito esse comportamento, principalmente, no grupo da minha turma onde colegas reclamam, mas depois acaba virando um motivo para se encontrarem para beber e "esquecer". Como disse antes, já tenho mais de 16 anos de corporação, acredito que os policiais mais jovens, talvez, tenham mais noção do uso do App como uma ferramenta capaz de unificar a tropa e de mobilizar a sociedade para garantir nossos direitos (Policial D., 24 de outubro de 2016, 13:00, via WhatsApp).


            A aderência dos indivíduos à inovação e ao aplicativo, resultante das negociações que vão ocorrendo na dinâmica do coletivo em que estão inseridos, geram ativos sociais que mantém o processo ativo.

Às vezes algum colega está trabalhando na rua e vê que a situação está arriscada, joga no grupo, para os outros colegas que moram ou que vão passar no local, para que evitem a área. Alguma dúvida ou injustiça, que está acontecendo com a gente, jogamos no grupo também, porque alguém pode ter passado pelo mesmo e pode ter um caminho para indicar. (Policial E., 26 de setembro de 2016, 17:48, via WhatsApp).


            A partir da identificação de que colegas, com alto nível de confiança, compartilham determinado conteúdo, este membro do grupo passa a ver a possibilidade de colocar-se mais efetivamente naquele espaço também. Este movimento contínuo e libertador de emoções, de falas contidas, inaugura um fluxo de comunicação que pode chegar a alterar de fato o modo de operação da Corporação.

Os contatos via WhatsApp ajudam muito dentro da realidade policial, pois sempre existem possibilidades de novos trabalhos e oportunidades dentro da corporação a que nós não tínhamos conhecimento ou que ficavam restritas às panelinhas. Até mesmo como resolver questões documentais, dicas do exercício da atividade, como obter auxílios e apoio entre os colegas. Ele tem colaborado para os policiais garantirem seus direitos, pois muitos colegas desconhecem seus direitos e a corporação infelizmente não informa da forma adequada. Este contato ajuda na troca de informações (Policial F., 20 de outubro de 2016, 14:08, via WhatsApp).

A aproximação vai tornando-os emocionalmente mais capacitados para encontrar brechas no sistema da PMERJ. Entretanto, cabe ressaltar que é o crescimento dos laços fracos (GRANOVETTER, 1978), das conexões com outros atores como a população e a imprensa, com os quais não se tem nem tanta intensidade de interações, nem tanta confiança, que se completa o ciclo que traz resultado efetivo para o engajamento que ocorre via laços fortes.
Os movimentos começam e ganham consistência entre as conexões de laços fortes, mas ganham repercussão pública na rede de laços fracos. A repercussão chega até as instâncias mais elevadas de poder, como a Secretaria de Segurança e o Governo do Estado, gerando uma cobrança dos veículos de comunicação por uma nota oficial ou entrevista que esclareça os fatos. Essa pressão tem garantido conquistas frequentes para os Policiais Militares do Rio de Janeiro.
            Em 2015, como a situação financeira do Estado do Rio de Janeiro já era de recessão, o pagamento do Regime Adicional de Serviço, o RAS, fora da data prevista, acontecia com frequência. Quando a data do pagamento chegava e ele não acontecia, os policiais geralmente não recebiam da Corporação um prognóstico objetivo sobre a data de pagamento. Ficavam aguardando até que o soldo caísse na conta. Em alguns casos, esperavam sem notícias por meses.
            Com as conexões via WhatsApp, no entanto, a partir do primeiro dia de atraso, começam a circular nos grupos de policiais mensagens cujo conteúdo é a busca de informações sobre a data do depósito do pagamento do RAS. Não demora muito e essas mensagens chegam aos grupos de policiais e jornalistas. Os policiais orquestram a comunicação com a imprensa, combinando de fazerem um movimento intenso de contato, via aplicativo, com os veículos de comunicação. Os jornais, as emissoras de rádio, televisão e os portais de internet demandam à assessoria de comunicação da PMERJ uma resposta. A Coordenadoria de Comunicação Social, para redigir a nota em resposta, procura o responsável dentro da PMERJ, na Secretaria de Segurança ou mesmo o Governador. Consequentemente, o pagamento é agilizado. Um dos policiais entrevistados resume esse processo:

Acho que a maior contribuição via WhatsApp é o movimento feito quando atrasam o pagamento do PROEIS/RAS. No grupo, combinam de todos os policiais enviarem e-mail para imprensa para gerar uma pressão, com isso, muitos atrasados são pagos. Dessa forma, com a pressão da mídia, conseguimos receber nossos salários mais rapidamente. Ninguém teria coragem de ir reclamar pessoalmente ou de ficar marcado como o encrenqueiro, ou o cara problema. Com o aplicativo ninguém sabe quem foi e na verdade fomos todos nós, juntos, pressionando via sociedade (Policial G., 24 de outubro de 2016, 12:40, via WhatsApp).


            Sob a manchete “Policiais militares reclamam de atraso no depósito do RAS de dezembro”[4], o jornal Extra de 29 de janeiro de 2015 e a versão on-line das 08:47 da mesma data, trouxeram o seguinte texto:

Policiais militares estão reclamando, pelo WhatsApp do EXTRA ((21) 99644-1263), de atraso no pagamento da gratificação do Regime Adicional de Serviço (RAS) relativa a dezembro, que, segundo eles, ainda não saiu. O RAS é a hora extra que os PMs fazem para a própria corporação. “Temos que nos virar pedindo dinheiro emprestado para pagar nossas contas” (JORNAL EXTRA ON LINE, 29 de Janeiro de 2015).
           
No dia seguinte, dia 30 de janeiro de 2015, o mesmo jornal Extra e sua versão das  06:30[5], já traziam uma resposta:

A gratificação do Regime Adicional de Serviço (RAS) dos policiais militares referente ao mês de dezembro deverá ser paga na próxima semana, ou seja, já em fevereiro. A Diretoria de Orçamento da Polícia Militar fechou, nesta quinta-feira, a folha de pagamento do benefício, que será encaminhada à Secretaria estadual de Fazenda, com previsão de pagamento para a próxima semana. Nos últimos dias, diversos PMs reclamaram do atraso no repasse da gratificação e cobraram uma previsão de pagamento (JORNAL EXTRA ON LINE, 30 de Janeiro de 2015).


            Outro exemplo do poder do alcance das interações frequentes é sobre a alimentação dos policiais de determinados batalhões em operações especiais. Durante a Copa do Mundo e a Jornada Mundial da Juventude, os grandes eventos de 2014 e 2015, telejornais, veículos on-line e impressos noticiaram as condições de trabalho dos policiais militares. A filosofia da ‘resiliência muda’ na Corporação por muito tempo evitou que houvesse este tipo de denúncia, ainda mais de repercussão internacional. Como as delações agora podem ser feitas anonimamente, em grande número, além de serem corroboradas por fotos e vídeos, os relatos de abusos ganharam credibilidade e ressonância.
            Uma matéria no site de jornalismo FolhaPolítica.org[6], em 18 de junho de 2014, trouxe a denúncia:

PMs recebem comida com larvas vivas no RJ; veja o vídeo Publicado por Folha Política
Imagem: Reprodução / Redes Sociais
Um vídeo gravado há três semanas por um Policial Militar lotado no Batalhão de Choque do Rio de Janeiro e disponibilizado para o UOL nesta quarta-feira (18) mostra um prato de comida repleto de larvas vivas que foi servido no refeitório da unidade. A cena, segundo o PM que fez as imagens, está longe de ser novidade entre os agentes. Segundo ele, os policiais recebem frequentemente almoço e lanche estragados nos batalhões da Polícia Militar do Rio (FOLHA POLÍTICA, 18 de Junho de 2014).


            Durante a apuração para esta matéria, a repórter Maria Luisa de Melo, do portal UOL, escreveu à Coordenadoria de Comunicação Social da PMERJ:

Bom dia,equipe de comunicação da PMERJ! Recebemos hoje pela manhã um vídeo de um policial do Batalhão de Choque que mostra um prato de comida servido no rancho do referido batalhão repleto de larvas. Segundo homens do mesmo batalhão (incluindo o que gravou o vídeo), é comum larvas serem encontradas nos pratos servidos. Qual o posicionamento da PMERJ sobre isso?

            Apesar das imagens, o posicionamento da Corporação inicialmente consistiu em negar a veracidade das reclamações dos policiais à imprensa. Contudo, os policiais que estavam fazendo as denúncias mantiveram a jornalista bem informada, através do grupo do WhatsApp, inclusive a respeito de que no dia seguinte à manchete houve uma inspeção e limpeza no rancho mencionado, conforme pode ser observado na troca de correspondências entre a jornalista e a assessoria da PMERJ:

CCOMSOC: A Polícia Militar não recebeu de nenhum policial essa queixa. A Polícia Militar tem uma Comissão de Controle Sanitário que realiza visitas periódicas aos ranchos. O Batalhão de Choque em especial tem uma nutricionista lotada no local. Lanches também são distribuídos conforme a escala de trabalho.

Maria Luisa: Ainda sobre a denúncia de larvas nas refeições servidas aos policiais militares, conforme publicamos ontem, recebemos novas informações de que o comandante do Batalhão de Choque ordenou uma limpeza geral no rancho na tarde de ontem. Sendo assim, gostaria de saber: 1) a quantidade de alimentos impróprios para o consumo recolhida...2) De quanto em quanto tempo a Comissão de Controle Sanitário visita os batalhões? Qual foi a última vez em que tal comissão esteve no Batalhão de Choque?

CCOMSOC: Oi Maria! A Inspeção sanitária no rancho do Batalhão de Choque é diária. Não houve nenhuma atividade extraordinária.
(WHATSAPP, correspondência entre repórter e CCOMSOC, 19 de Junho de 2014.)

            Se o objetivo do poder disciplinar, no passado, era ‘vigiar e punir’ (Foucault, 1983), manter estrito controle sobre os indivíduos e suas produções, a democratização da tecnologia, das câmeras de celulares, aliadas aos aplicativos de compartilhamento como o que estamos estudando, causaram o efeito contrário. Não há mais controle total sobre que informação vai ser distribuída por quem, já que os corpos não estão mais tão docilizados e os novos modos de se relacionar podem colaborar para que os indivíduos organizem-se de modo a poder exercer sua cidadania.

Considerações finais:

            Muito embora a tropa já tenha um bom nível de conhecimento sobre as potencialidades do WhatsApp, os policiais ainda estão vivenciando o processo de expressar suas emoções via aplicativo, de receber a manifestação do outro, de tornar público o que era restrito ao ambiente militar, descobrindo o poder de sentir, falar e criar novos sentidos, rompendo com a ideia de que sua força está na resiliência e no silêncio que mantém.   
A dinâmica de formação de grupos e as interações frequentes fazem mais do que distribuir informação: influenciam. Abrem-se novas possibilidades em relação às anteriores ecologias das mídias na configuração de legitimidade ou ilegitimidade. O registro por foto e vídeo, além do acesso da tropa diretamente aos veículos de comunicação têm levado a uma maior responsabilização da Corporação, que passa a ter que prestar contas com maior frequência e mudar seu modus operandis.
O grupo de WhatsApp é o local em que, por sensação de pertencimento e identificação, as causas ganham forma e expressão. Contudo, é na articulação desta rede que as interações entre os pares cumprem seu papel, fazendo repercutir as questões internas na sociedade e colaborando para resultados mais efetivos: obrigando à responsabilização, mesmo que mínima, por parte do Estado.
As vozes da tropa têm conseguido ressoar com amplitude, em situações pontuais, a partir do ator tecnológico WhatsApp. Conseguir fazer com que suas questões internas alcancem e repercutam em outros grupos é fazer com que população civil, imprensa e sociedade enxerguem a PMERJ sob a ótica do policial, é conseguir visibilidade e engajamento coletivo para causas silenciadas dentro da hierarquia militar.
Como apontado ao longo do desenvolvimento textual, o advento de uma tropa que passa a ser formada por indivíduos forjados nestes novos tipos de relação, que não têm na farda sua identidade única, que buscam brechas de empoderamento que possibilitem fugir de estados puros de dominação dentro da estrutura de poder que integram, não constitui um evento pontual de revolta, mas, somado às ferramentas tecnológicas disponíveis, abrem caminho para a construção efetiva de uma nova economia das relações de poder. A tropa tem encontrado no aplicativo uma brecha para romper o silêncio tradicionalmente imposto pelo código de conduta militar em prol da garantia de seus direitos.
 Essa movimentação não se propõe a negar ou destruir as estruturas de poder da Polícia Militar do Rio de Janeiro, mas alterar os fluxos comunicacionais, movimentando o jogo de poder, mesmo dentro dessa estrutura tão rígida. As reconfigurações no fluxo comunicacional identificadas na PMERJ ilustram o potencial transformador do novo padrão de relações em rede, mediadas por tecnologias como o aplicativo em questão para conquistas importantes para o cidadão.


Referências bibliográficas

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[1] Trabalho apresentado no GP Comunicação para a Cidadania, XVII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

[2]Mestranda do Programa de Pós-Graduação da UERJ. Email: averonezereporter@gmail.com
[3] Para efeito de estudo, os grupos foram divididos de acordo com o vínculo motivador de sua formação. A conversação via aplicativo na PMERJ está sendo representada por cinco tipos de grupos: (i) grupo formado por 15 policiais aprovados em um mesmo concurso público e que receberam instrução em uma  mesma turma de formação, (ii) grupo formado por 50 PMs de diferentes patentes de uma mesma unidade, Batalhão X (iii) grupo de 115 membros entre policiais de diferentes unidades e jornalistas de diferentes veículos de comunicação, (iv) grupo dos cerca de 50 policiais em posição de comando em Batalhões e Unidades Especiais da PMERJ e 8 assessores de comunicação da Instituição e (v) grupo de policiais de uma Unidade específica da PMERJ e a população da área de cobertura da Unidade. Não especificaremos o ano de formação da turma do grupo estudado (i) ou a unidade de trabalho (ii) para garantir o sigilo das fontes. Foi observada a participação dos membros no grupo de acordo com a hierarquia militar e o os temas abordados com maior frequência nas interações.

Intercom2017 - Curitiba - O artigo