Estar no Intercom 2017 foi muito produtivo. É um momento de estar com nossas referências bibliográficas, nossos colegas professores e alunos. (Isso se você usa a bibliografia Latinoamericana atual também e não só a eurocêntrica do século passado! Olha que eu uso Foucault e Latour, mas estou me desafiando a procurar bibliografia... Mas isso é uma outra longa discussão)
Encontrei no Grupo de Trabalho Comunicação para a Cidadania algumas discussões que dialogam muito com a minha pesquisa, como o trabalho da Luiza Barata, que tratou do uso do aplicativo "NósporNós para denúncias em comunidades cariocas. Vale conhecer e o artigo está nos anais do Intercom em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2789-1.pdf
Apresentei o artigo "Nos rastros das interações: Uma análise do impacto do aplicativo
Whatsapp no
fluxo comunicacional da tropa da PMERJ"
http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-1880-1.pdf
http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-1880-1.pdf
Este artigo é parte da dissertação de mestrado, que pretende abranger também outros lugares de fala como a posição da Coporação e o uso do aplicativo para a Polícia de Proximidade. Aos interessados, segue:
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Resumo
Inovações tecnológicas têm alterado o fluxo
de comunicação nas organizações. No caso de uma corporação militar, as novas
possibilidades de interação a partir dos aplicativos de celular podem
significar novos modos de organização e a possibilidade do encontro ou produção
de brechas para a luta por direitos. O objetivo deste artigo é analisar o caso
específico da participação do WhatsApp na comunicação da Polícia Militar
do Estado do Rio de Janeiro. A hipótese é que a participação do ator
tecnológico nas práticas comunicacionais tem viabilizado a manifestação em uma
estrutura altamente hierarquizada. A estratégia é seguir os rastros da
comunicação via aplicativo, a fim de abrir caminho para a compreensão das
consequentes apropriações de poder advindas das conexões estabelecidas.
Palavras-chave
Comunicação organizacional; Tecnologia; Cidadania; Polícia Militar; Interações.
Comunicação organizacional; Tecnologia; Cidadania; Polícia Militar; Interações.
Introdução
Desde a Idade Média, a principal força combativa de um exército era
conhecida como infantaria e os combatentes eram os infantes. O termo infante
tem duas raízes distintas. De origem italiana, o vocábulo ‘fante’, significa
‘menino ou soldado que vem a pé’. Já o verbete ‘infante’ oriundo do latim,
representa 'aquele que não fala', utilizado para identificar filhos pequenos de
nobres europeus.
Usualmente, os policiais são
chamados de infantes, tanto como aqueles que combatem, como aqueles que não
falam. A fala é a expressão motora de pensamentos do sujeito, ligada a outros
aspectos de sua cognição, como as emoções e a capacidade crítica. Na Polícia
Militar, historicamente, a limitação não se restringia ao ato motor da
vocalização, mas a qualquer manifestação individual pública que se referisse à
atividade profissional.
Sem fala, as interações são mínimas
e a produção de significados também. Se o policial é um corpo que cala, que não
expressa emoções, tal qual os cadáveres que encontrará pela trajetória profissional;
se não elabora, não interage, deixa de produzir sentidos, tornando-se mais apto
ao combate.
A dificuldade de comunicação entre
as instâncias de poder e a impossibilidade das patentes mais baixas de
requererem seus direitos sem ficarem reféns de sanções resultaram no silêncio
próprio das relações de dominação (FOUCAULT, 1983). A cultura interna da PMERJ
tornou a atitude de mostrar-se insensível às adversidades, ao sofrimento
próprio e alheio, algo natural e louvável. A resiliência silenciosa não tem
sido contestada porque entre os policiais, essa é uma discussão encerrada em
uma máquina já funcional. Ser resiliente à violência física ou moral significa,
dentro da cultura interna de uma estrutura militar, ser forte e estar apto aos
desafios da profissão. A emoção coletiva é sobreposta à individual, em
treinamentos em que o indivíduo aprende a suportar os ataques e a manifestar-se
apenas dentro dos limites impostos pelas regras da Corporação.
O aplicativo WhatsApp tornou-se um ambiente tecnológico no qual o Policial
Militar fluminense tem resgatado a possibilidade de compartilhar emoções. Entretanto, as causas das mudanças no fluxo
comunicacional da PMERJ vão além do simples advento de determinada tecnologia. Policiais
menos docilizados e cognitivamente aptos ao uso de tecnologia, somados à
entrada de um novo ator não humano, o aplicativo, compõem o elenco próprio para
encenar socialmente outras relações que não as estabelecidas nos últimos dois
séculos.
O indivíduo contemporâneo não tem mais uma identidade única, em que a
profissão o define por completo. Ele não é o policial, o vilão ou o herói, como
outrora. Este sujeito é, ao mesmo tempo, morador da comunidade, pai,
consumidor, telespectador, cidadão. As múltiplas identidades, como aborda
Stuart Hall (2005), propiciam que ele dê novas respostas a antigas questões.
Na trajetória da história da Polícia Militar,
mobilizar-se em prol de causa própria sempre fora uma iniciativa arriscada,
cujo resultado mais provável seria uma punição. Cabe lembrar que foram nas
escolas, hospitais e quartéis que o sistema disciplinar se estruturou
(FOUCAULT, 1983). As relações de poder dentro da Corporação sempre foram
impregnadas por estados de dominação, mas o cenário vem se transformando. Viver
em um mundo globalizado, em contato com diferentes construções de verdade, com
maior possibilidade de comunicação com atores diversos, dificulta a
docilização, o disciplinar.
Mapeando a rede de grupos de WhatsApp na PMERJ
Durante um ano, a autora da pesquisa realizou a observação participante,
inserida no ambiente natural das interações. Atuava como assessora de
comunicação da PMERJ e era membro de alguns dos grupos da corporação, tanto
como profissional, como colega de trabalho, já que os grupos são formados com
finalidades distintas. Para realizar a pesquisa sem identificar os
participantes dos grupos ou expor o conteúdo das conversações, foi enviado a
cinco grupos de WhatsApp um questionário de entrevista
aberta, sobre os usos que cada policial faz desta tecnologia em sua
rotina. Mesmo com o
consentimento dos participantes, a exposição do conteúdo por si só
identificaria os atores, violando o anonimato proporcionado pelo aplicativo. É
esse anonimato que garante a possibilidade de fala, sem punições, dentro do
aparelho de vigilância do Estado, de uma instituição que segue um rigoroso
código de conduta militar.
Aliás, uma determinação publicada no Boletim da PMERJ de nove de outubro
de 2015, tornou o uso de smartfones
por policiais em horário de serviço, no policiamento ostensivo, proibido. A
resposta ao questionário enviado era voluntária e seria garantido o anonimato,
conforme possibilita o Código de Ética dos Jornalistas e a Constituição
Federal, quando preveem que o jornalista, por sigilo profissional, opte por não
revelar suas fontes.
A hipótese desenvolvida é a de que o aumento do capital social e da força
dos laços são geradores de novas demandas de postura e responsabilização da
Corporação. Para tratar das intenções das interações via aplicativo e de seus
resultados efetivos no modo de operação da PMERJ, foi realizada uma busca que
identificasse a repercussão das demandas advindas de material compartilhado
pelo WhatsApp nas publicações dos veículos de comunicação. (GRANOVETTER,
1973). Procurou-se na
imprensa matérias motivadas pela dinâmica da qual o WhatsApp participa com a tropa. Serão apresentados aqui alguns dos
resultados das interações encontrados nos jornais EXTRA e Folha Política. As
publicações nos indicam o resultado efetivo de determinadas dinâmicas que
começaram no aplicativo, o alcance, o poder daquela rede.
A
movimentação sintomática de uma nova geração pautada em relações híbridas
Á medida que o uso do aplicativo é intensificado, a dinâmica de formação
e dissolução dos grupos vai mudando. Em 2014, os grupos da PMERJ eram
basicamente compostos de acordo com os vínculos afetivos ou com aspectos
práticos da rotina de trabalho. Selecionamos as mensagens compartilhadas entre
julho de 2014 e o mesmo mês de 2015 e classificamos por sua origem e seu
objetivo prevalecente. A partir da compilação de centenas de interações, foi
possível determinar alguns traços característicos de cada grupo, como explanado
a seguir[3]:
Entre os cento e cinquenta policiais que participaram da pesquisa, alguns
integravam grupos (i) compostos a partir da turma de formação. Usualmente, os
profissionais aprovados em um mesmo concurso público recebiam a formação
juntos, mas por serem alocados em unidades distintas, perdiam o contato, ou
mantinham alguma interação com frequência muito rara. Os grupos de WhatsApp mantiveram a frequência das
interações entre as novas turmas de policiais.
Uma vez alocados em determinada unidade da Corporação, os policiais
passam a fazer parte de novos grupos (ii). A motivação inicial dos grupos de
unidades específicas é compartilhar aspectos práticos da rotina daquele
Batalhão. Este grupo reúne profissionais que não necessariamente possuem
vínculos afetivos, mas que precisam dos dados que circulam. Em algumas unidades
os grupos foram formados pela tropa para facilitar o dia a dia, em outras
incluem do soldado ao comandante, sendo nestes últimos, o comportamento mais
formal, menos espontâneo. Não há uma oficialização da comunicação via
aplicativo dentro da Corporação, de modo que depende da iniciativa coletiva da
tropa ou individual do comandante da unidade.
Durante as operações, os policiais
entram em contato com os jornalistas que estão cobrindo a pauta de Segurança.
Teoricamente, apenas os comandantes ou o porta-voz da Corporação podem dar
entrevistas, mas, aos poucos, a tropa vai estreitando as relações com os
jornalistas e integrando grupos de WhatsApp
em que passam informações para os jornalistas como forma de promoção do
trabalho realizado (iii).
Há ainda grupos institucionais, que fazem parte das atividades dos
Comandos como os grupos de alinhamento das respostas da assessoria de Imprensa
(iv) ou os grupos de relação direta com a população, como estratégia de
unidades específicas que praticam a Polícia de Proximidade (v).
Todavia, toda esta movimentação ainda ocorre sob temor, sob a pressão
emocional de estar rompendo com os valores da Corporação. Ao receber o
questionário desta pesquisa, a primeira reação de alguns Policiais Militares
fluminenses foi temer a confirmação de que fazem uso do aplicativo. Redigiram
respostas que negavam as conversações:
Sei que vai parecer incoerente negar que usamos o WhatsApp
ou que participamos dos grupos, o que você acompanha como fato, mas o problema
é o seguinte: na realidade, para fazer o uso do celular, o militar deve fazer
uma solicitação à administração da unidade em que trabalha. É tudo muito
complexo. Então, é um pouco complicado falar sobre isso, pois, de fato, não há
uma autorização expressa que autorize. Nós simplesmente usamos no dia a dia,
mas não podemos admitir isso, entende? (Policial A., 26 de setembro de 2016,
17:13, via WhatsApp).
Á medida que os policiais participam na rede de grupos do aplicativo, entram em
contato com maior frequência com a emoção dos colegas, suas ansiedades,
derrotas e vitórias. O conteúdo compartilhado permite que os membros dos grupos
se reconheçam, conquistem confiança para abordar uma diversidade maior de
assuntos, encorajando-se mutuamente e reconhecendo a potencialidade de sua
fala. Entre diferentes patentes, a intensidade das interações e da exposição
também diminui as distâncias que a hierarquia militar impõe naturalmente. Essa
evolução nos relacionamentos já foi apontada por Raquel Recuero (2014), ao
afirmar que o valor dos laços sociais construídos, o capital social, pode ser
acumulado, aprofundando os vínculos e aumentando o sentimento de grupo.
Observou-se esta dinâmica de
fortalecimento dos laços nas conversas dos grupos de policiais no WhatsApp, principalmente naqueles em que
os vínculos afetivos eram mais fortes:
A minha participação em grupos da PMERJ, se deu
através da necessidade de compartilhar informações. Os grupos discutem temas
relacionados ao futuro da Polícia Militar e podemos dar opiniões, inclusive,
com a participação de oficiais. O contato com colegas de turma aumentou
consideravelmente, hoje sou membro de mais de 10 grupos da polícia. Esse mesmo
contato contribuiu para que estivesse mais atento aos fenômenos sociais e
interagisse mais com outros militares. Através da participação ativa nos
grupos, podemos lutar por objetivos comuns a todos, como por exemplo, melhores
escalas, aquisição de equipamentos, salários, etc (Policial B., 20 de outubro de 2016, 13:57, via
WhatsApp).
Nota-se no depoimento que não só
os laços tornaram-se mais fortes, como a rede deste policial também cresceu. A
menção de que a interação direcionou sua atenção a determinados fenômenos ou
eventos da Corporação e de que encontrou objetivos comuns e parceiros para as
lutas, são indicativos do capital social adquirido. Bem antes do
movimento de interação através de aplicativos de comunicação como o WhatsApp, Granovetter (1974, 1978) já
apontava para o poder da influência dos grupos na tomada de decisões. Suas
pesquisas constataram que os indivíduos tomavam decisões mais consistentes em
uma relação de proporção direta com a força dos vínculos em suas redes. Quando
os policiais falaram sobre suas experiências com o WhatsApp, essa força também fica evidente:
Eu não tinha coragem de ir para o chefe e reclamar da
comida, ou que o salário do Extra não entrou. Tenho até colegas que fazem isso,
mas ficam mal vistos, como os encrenqueiros. São tidos como problemáticos. Aí
eu entrei em um grupo do WhatsApp e
os caras estavam falando mesmo ali. Comentavam da jornada de trabalho, de tudo
que eu só desabafava com a minha família. Então, como você me perguntou como eu
uso o WhatsApp, a resposta é: eu uso
para me sentir mais forte. Ali eu vejo que o problema é de todo mundo e que
podemos combinar alternativas para resolver. Um dia combinamos que ninguém
daquele grupo ia se inscrever para o RAS daquele mês. O salário não sai então
não vai ter quem faça. Sozinho eu nunca poderia fazer essa pressão (Policial C.,
26 de outubro de 2016, 16:40, via WhatsApp).
Apesar de continuarem sob uma forte relação de dominação na Polícia
Militar do Rio de Janeiro, os Policiais Militares têm se posicionado com maior
propriedade, uma vez que formam laços mais fortes com os colegas de profissão,
fortalecendo assim, também, uma faceta de sua identidade, elevando os níveis de
credibilidade e influência.
O WHATSAPP como agente
mobilizador na micropolítica do poder da PMERJ
As novas sociabilidades instauradas
a partir das relações híbridas, em que estão conectados o WhatsApp, todo o aparato tecnológico que compõe o arranjo midiático
que o cerca e policiais de diferentes patentes, têm apresentado potencial para
redistribuir poder, dar voz e credibilidade a discursos não oficiais.
Entretanto, o reconhecimento e consequente emprego do aplicativo nesta direção
não aconteceram assim que a tecnologia passou a fazer parte das primeiras
conexões da tropa da PMERJ. A tecnologia de comunicação não é óbvia como a arma
que os policiais possuem, desenvolvida com uma finalidade bem específica: ferir
e paralisar o inimigo através de confronto direto. Há uma trajetória de
amadurecimento da relação, que compreende do momento em que os policiais
começam a estabelecer as primeiras interações até a organização efetiva de
movimentos em prol de interesses coletivos.
Durante entrevistas com os policiais que participavam dos grupos de WhatsApp, o relato foi de que
inicialmente, as conversações mediadas pelo aplicativo, configuravam
apenas momentos de lazer. Eram conversas informais entre colegas de profissão,
que incluíam áudios de tiroteios, imagens de bandidos famosos detidos nas
operações, fotos de material apreendido e de cadáveres.
Conforme conquistam habilidade de uso do conjunto de tecnologias que
envolve o celular, internet, câmeras fotográficas e filmadoras, gravadores de
áudio, editores de imagens e novas opções de compartilhamento, os policiais
fluminenses vão ampliando o emprego do aplicativo. Régis (2011) argumenta que o
uso de tecnologias de comunicação e entretenimento possibilita o
desenvolvimento cognitivo, fermentando o sujeito com habilidades sociais,
lógicas, sensoriais, entre outras.
Um dos policiais entrevistados comentou:
Eu penso que a tropa ainda está aprendendo a usar o WhatsApp
como uma ferramenta para reivindicar seus direitos. Percebo que o PM usa muito
mais como um "muro das lamentações" do que como um instrumento de
poder capaz de conscientizar e mobilizar efetivos. Observo muito esse comportamento,
principalmente, no grupo da minha turma onde colegas reclamam, mas depois acaba
virando um motivo para se encontrarem para beber e "esquecer". Como
disse antes, já tenho mais de 16 anos de corporação, acredito que os policiais
mais jovens, talvez, tenham mais noção do uso do App como uma ferramenta capaz
de unificar a tropa e de mobilizar a sociedade para garantir nossos direitos (Policial
D., 24 de outubro de 2016, 13:00, via WhatsApp).
A aderência dos indivíduos à
inovação e ao aplicativo, resultante das negociações que vão ocorrendo na
dinâmica do coletivo em que estão inseridos, geram ativos sociais que mantém o
processo ativo.
Às vezes algum colega está trabalhando na rua e vê que
a situação está arriscada, joga no grupo, para os outros colegas que moram ou
que vão passar no local, para que evitem a área. Alguma dúvida ou injustiça,
que está acontecendo com a gente, jogamos no grupo também, porque alguém pode
ter passado pelo mesmo e pode ter um caminho para indicar. (Policial E., 26 de
setembro de 2016, 17:48, via WhatsApp).
A partir da identificação de que
colegas, com alto nível de confiança, compartilham determinado conteúdo, este
membro do grupo passa a ver a possibilidade de colocar-se mais efetivamente
naquele espaço também. Este movimento contínuo e libertador de emoções, de falas
contidas, inaugura um fluxo de comunicação que pode chegar a alterar de fato o
modo de operação da Corporação.
Os contatos via WhatsApp ajudam muito dentro da
realidade policial, pois sempre existem possibilidades de novos trabalhos e
oportunidades dentro da corporação a que nós não tínhamos conhecimento ou que
ficavam restritas às panelinhas. Até mesmo como resolver questões documentais,
dicas do exercício da atividade, como obter auxílios e apoio entre os colegas.
Ele tem colaborado para os policiais garantirem seus direitos, pois muitos
colegas desconhecem seus direitos e a corporação infelizmente não informa da
forma adequada. Este contato ajuda na troca de informações (Policial F., 20 de
outubro de 2016, 14:08, via WhatsApp).
A aproximação vai tornando-os emocionalmente mais capacitados para
encontrar brechas no sistema da PMERJ. Entretanto, cabe ressaltar que é o
crescimento dos laços fracos (GRANOVETTER, 1978), das conexões com outros
atores como a população e a imprensa, com os quais não se tem nem tanta
intensidade de interações, nem tanta confiança, que se completa o ciclo que
traz resultado efetivo para o engajamento que ocorre via laços fortes.
Os movimentos começam e ganham consistência entre as conexões de laços
fortes, mas ganham repercussão pública na rede de laços fracos. A repercussão
chega até as instâncias mais elevadas de poder, como a Secretaria de Segurança
e o Governo do Estado, gerando uma cobrança dos veículos de comunicação por uma
nota oficial ou entrevista que esclareça os fatos. Essa pressão tem garantido
conquistas frequentes para os Policiais Militares do Rio de Janeiro.
Em 2015, como a situação financeira
do Estado do Rio de Janeiro já era de recessão, o pagamento do Regime Adicional
de Serviço, o RAS, fora da data prevista, acontecia com frequência. Quando a
data do pagamento chegava e ele não acontecia, os policiais geralmente não
recebiam da Corporação um prognóstico objetivo sobre a data de pagamento.
Ficavam aguardando até que o soldo caísse na conta. Em alguns casos, esperavam
sem notícias por meses.
Com as conexões via WhatsApp,
no entanto, a partir do primeiro dia de atraso, começam a circular nos grupos
de policiais mensagens cujo conteúdo é a busca de informações sobre a data do
depósito do pagamento do RAS. Não demora muito e essas mensagens chegam aos
grupos de policiais e jornalistas. Os policiais orquestram a comunicação com a
imprensa, combinando de fazerem um movimento intenso de contato, via
aplicativo, com os veículos de comunicação. Os jornais, as emissoras de rádio,
televisão e os portais de internet demandam à assessoria de comunicação da
PMERJ uma resposta. A Coordenadoria de Comunicação Social, para redigir a nota
em resposta, procura o responsável dentro da PMERJ, na Secretaria de Segurança
ou mesmo o Governador. Consequentemente, o pagamento é agilizado. Um dos
policiais entrevistados resume esse processo:
Acho que a maior contribuição via WhatsApp é o movimento feito quando atrasam o pagamento do
PROEIS/RAS. No grupo, combinam de todos os policiais enviarem e-mail para
imprensa para gerar uma pressão, com isso, muitos atrasados são pagos. Dessa
forma, com a pressão da mídia, conseguimos receber nossos salários mais
rapidamente. Ninguém teria coragem de ir reclamar pessoalmente ou de ficar
marcado como o encrenqueiro, ou o cara problema. Com o aplicativo ninguém sabe
quem foi e na verdade fomos todos nós, juntos, pressionando via sociedade
(Policial G., 24 de outubro de 2016, 12:40, via WhatsApp).
Sob a manchete “Policiais militares
reclamam de atraso no depósito do RAS de dezembro”[4], o
jornal Extra de 29 de janeiro de 2015 e a versão on-line das 08:47 da mesma
data, trouxeram o seguinte texto:
Policiais militares estão reclamando, pelo WhatsApp do EXTRA ((21) 99644-1263), de
atraso no pagamento da gratificação do Regime Adicional de Serviço (RAS)
relativa a dezembro, que, segundo eles, ainda não saiu. O RAS é a hora extra
que os PMs fazem para a própria corporação. “Temos que nos virar pedindo
dinheiro emprestado para pagar nossas contas” (JORNAL EXTRA ON LINE, 29 de
Janeiro de 2015).
No dia seguinte,
dia 30 de janeiro de 2015, o mesmo jornal Extra e sua versão das 06:30[5],
já traziam uma resposta:
A gratificação do Regime Adicional de Serviço (RAS)
dos policiais militares referente ao mês de dezembro deverá ser paga na próxima
semana, ou seja, já em fevereiro. A Diretoria de Orçamento da Polícia Militar
fechou, nesta quinta-feira, a folha de pagamento do benefício, que será
encaminhada à Secretaria estadual de Fazenda, com previsão de pagamento para a
próxima semana. Nos últimos dias, diversos PMs reclamaram do atraso no repasse
da gratificação e cobraram uma previsão de pagamento (JORNAL EXTRA ON LINE, 30
de Janeiro de 2015).
Outro exemplo do poder do alcance
das interações frequentes é sobre a alimentação dos policiais de determinados
batalhões em operações especiais. Durante a Copa do Mundo e a Jornada Mundial
da Juventude, os grandes eventos de 2014 e 2015, telejornais, veículos on-line
e impressos noticiaram as condições de trabalho dos policiais militares. A
filosofia da ‘resiliência muda’ na Corporação por muito tempo evitou que
houvesse este tipo de denúncia, ainda mais de repercussão internacional. Como
as delações agora podem ser feitas anonimamente, em grande número, além de
serem corroboradas por fotos e vídeos, os relatos de abusos ganharam
credibilidade e ressonância.
Uma matéria no site de jornalismo
FolhaPolítica.org[6], em 18 de
junho de 2014, trouxe a denúncia:
PMs recebem comida com larvas vivas no RJ; veja o
vídeo Publicado por Folha Política
Imagem: Reprodução / Redes Sociais
Um vídeo gravado há três semanas por um Policial
Militar lotado no Batalhão de Choque do Rio de Janeiro e disponibilizado para o
UOL nesta quarta-feira (18) mostra um prato de comida repleto de larvas vivas
que foi servido no refeitório da unidade. A cena, segundo o PM que fez as
imagens, está longe de ser novidade entre os agentes. Segundo ele, os policiais
recebem frequentemente almoço e lanche estragados nos batalhões da Polícia
Militar do Rio (FOLHA POLÍTICA, 18 de Junho de 2014).
Durante a apuração para esta
matéria, a repórter Maria Luisa de Melo, do portal UOL, escreveu à
Coordenadoria de Comunicação Social da PMERJ:
Bom dia,equipe de comunicação da PMERJ! Recebemos hoje
pela manhã um vídeo de um policial do Batalhão de Choque que mostra um prato de
comida servido no rancho do referido batalhão repleto de larvas. Segundo homens
do mesmo batalhão (incluindo o que gravou o vídeo), é comum larvas serem
encontradas nos pratos servidos. Qual o posicionamento da PMERJ sobre isso?
Apesar das imagens, o posicionamento
da Corporação inicialmente consistiu em negar a veracidade das reclamações dos
policiais à imprensa. Contudo, os policiais que estavam fazendo as denúncias
mantiveram a jornalista bem informada, através do grupo do WhatsApp, inclusive a respeito de que no dia seguinte à manchete
houve uma inspeção e limpeza no rancho mencionado, conforme pode ser observado
na troca de correspondências entre a jornalista e a assessoria da PMERJ:
CCOMSOC: A Polícia Militar não recebeu de nenhum
policial essa queixa. A Polícia Militar tem uma Comissão de Controle Sanitário
que realiza visitas periódicas aos ranchos. O Batalhão de Choque em especial
tem uma nutricionista lotada no local. Lanches também são distribuídos conforme
a escala de trabalho.
Maria Luisa: Ainda sobre a denúncia de larvas nas
refeições servidas aos policiais militares, conforme publicamos ontem,
recebemos novas informações de que o comandante do Batalhão de Choque ordenou
uma limpeza geral no rancho na tarde de ontem. Sendo assim, gostaria de saber:
1) a quantidade de alimentos impróprios para o consumo recolhida...2) De quanto
em quanto tempo a Comissão de Controle Sanitário visita os batalhões? Qual foi
a última vez em que tal comissão esteve no Batalhão de Choque?
CCOMSOC: Oi Maria! A Inspeção sanitária no rancho do
Batalhão de Choque é diária. Não houve nenhuma atividade extraordinária.
(WHATSAPP, correspondência entre repórter e CCOMSOC,
19 de Junho de 2014.)
Se o objetivo do poder disciplinar,
no passado, era ‘vigiar e punir’ (Foucault, 1983), manter estrito controle
sobre os indivíduos e suas produções, a democratização da tecnologia, das
câmeras de celulares, aliadas aos aplicativos de compartilhamento como o que
estamos estudando, causaram o efeito contrário. Não há mais controle total sobre
que informação vai ser distribuída por quem, já que os corpos não estão mais
tão docilizados e os novos modos de se relacionar podem colaborar para que os
indivíduos organizem-se de modo a poder exercer sua cidadania.
Considerações finais:
Muito embora a tropa já tenha um bom
nível de conhecimento sobre as potencialidades do WhatsApp, os policiais
ainda estão vivenciando o processo de expressar suas emoções via aplicativo, de
receber a manifestação do outro, de tornar público o que era restrito ao ambiente
militar, descobrindo o poder de sentir, falar e criar novos sentidos, rompendo
com a ideia de que sua força está na resiliência e no silêncio que mantém.
A dinâmica de formação de grupos e as interações
frequentes fazem mais do que distribuir informação: influenciam. Abrem-se novas
possibilidades em relação às anteriores ecologias das mídias na configuração de
legitimidade ou ilegitimidade. O registro por foto e vídeo, além do acesso da
tropa diretamente aos veículos de comunicação têm levado a uma maior
responsabilização da Corporação, que passa a ter que prestar contas com maior
frequência e mudar seu modus operandis.
O grupo de WhatsApp
é o local em que, por sensação de pertencimento e identificação, as causas
ganham forma e expressão. Contudo, é na articulação desta rede que as
interações entre os pares cumprem seu papel, fazendo repercutir as questões
internas na sociedade e colaborando para resultados mais efetivos: obrigando à
responsabilização, mesmo que mínima, por parte do Estado.
As vozes da tropa têm conseguido ressoar com amplitude, em situações
pontuais, a partir do ator tecnológico WhatsApp. Conseguir fazer com que
suas questões internas alcancem e repercutam em outros grupos é fazer com que
população civil, imprensa e sociedade enxerguem a PMERJ sob a ótica do
policial, é conseguir visibilidade e engajamento coletivo para causas
silenciadas dentro da hierarquia militar.
Como apontado ao longo do desenvolvimento textual, o advento de uma tropa
que passa a ser formada por indivíduos forjados nestes novos tipos de relação,
que não têm na farda sua identidade única, que buscam brechas de empoderamento
que possibilitem fugir de estados puros de dominação dentro da estrutura de
poder que integram, não constitui um evento pontual de revolta, mas, somado às
ferramentas tecnológicas disponíveis, abrem caminho para a construção efetiva
de uma nova economia das relações de poder. A tropa tem encontrado no
aplicativo uma brecha para romper o silêncio tradicionalmente imposto pelo
código de conduta militar em prol da garantia de seus direitos.
Essa movimentação não se propõe a
negar ou destruir as estruturas de poder da Polícia Militar do Rio de Janeiro,
mas alterar os fluxos comunicacionais, movimentando o jogo de poder, mesmo
dentro dessa estrutura tão rígida. As reconfigurações no fluxo comunicacional
identificadas na PMERJ ilustram o potencial transformador do novo padrão de
relações em rede, mediadas por tecnologias como o aplicativo em questão para
conquistas importantes para o cidadão.
Referências
bibliográficas
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para denúncias e lança manual para as redes. Disponível em: .
Acesso em 13 de janeiro de 2016.
BLAZ, I. Entendo o
‘embrutecimento’ da tropa, afirma porta-voz da PM do Rio. Entrevista
Revista Veja On-line, edição 31 março de 2017,
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http://veja.abril.com.br/brasil/entendo-o-embrutecimento-da-tropa-afirma-porta-voz-da-pm-do-rj,
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FOUCAULT,
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[1] Trabalho
apresentado no GP Comunicação para a Cidadania, XVII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
[3]
Para efeito de estudo, os grupos foram divididos de acordo com o vínculo
motivador de sua formação. A conversação via aplicativo na PMERJ está sendo representada
por cinco tipos de grupos: (i) grupo formado por 15 policiais aprovados em um
mesmo concurso público e que receberam instrução em uma mesma turma de formação, (ii) grupo formado
por 50 PMs de diferentes patentes de uma mesma unidade, Batalhão X (iii) grupo
de 115 membros entre policiais de diferentes unidades e jornalistas de
diferentes veículos de comunicação, (iv) grupo dos cerca de 50 policiais em
posição de comando em Batalhões e Unidades Especiais da PMERJ e 8 assessores de
comunicação da Instituição e (v) grupo de policiais de uma Unidade específica
da PMERJ e a população da área de cobertura da Unidade. Não especificaremos o
ano de formação da turma do grupo estudado (i) ou a unidade de trabalho (ii)
para garantir o sigilo das fontes. Foi observada a participação dos membros no
grupo de acordo com a hierarquia militar e o os temas abordados com maior
frequência nas interações.
[4]
Disponível em https://extra.globo.com/emprego/servidor-publico/policiais-militares-reclamam-de-atraso-no-deposito-do-ras-de-dezembro-15182294.html.
Acesso em 15 de janeiro de 2016.
[5]Disponível
em: https://extra.globo.com/emprego/servidor-publico/gratificacao-do-ras-de-dezembro-de-policiais-militares-devera-sair-na-proxima-semana-15193715.html.
Acesso 15 de Janeiro de 2016.
[6]
Disponível em http://www.folhapolitica.org/2014/06/pms-recebem-comida-com-larvas-vivas-no.html.
Acesso em 25 de fevereiro de 2016.